PALESTRA DO DIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO DA EUROPA
Nos últimos oito anos, durante a gestão do Presidente
Fernando Henrique Cardoso, a ação diplomática
brasileira para os países da Europa gerou importantes
resultados contribuindo de forma significativa para a inserção
internacional do Brasil.
Diversas iniciativas de ordem política, econômica
e cultural foram implementadas tanto no nível das relações
com cada país do continente onde o Brasil encontra
algumas de suas mais tradicionais e produtivas parcerias individuais
quanto no da interação com a União Européia.
O relacionamento com a Europa tem assumido de forma crescente
uma natureza única, caracterizada por expressiva combinação
de condicionantes:
- vínculos históricos (descobrimento e colonização
portuguesa, os 60 anos da União Ibérica, a
presença holandesa no Nordeste)
- contribuição da imigração
e da cultura européia na formação do
Brasil (numerosas comunidades de descendentes e valores
compartilhados)
- dinamismo do intercâmbio econômico (a Europa
em seu conjunto é nosso principal sócio comercial
e a primeira fonte de investimentos diretos no País)
- a intensidade do diálogo político (os contatos
governamentais, sobretudo de alto nível, são
constantes e marcados por orientação pragmática).
Em particular no plano econômico, a Europa segue como
o mais importante parceiro brasileiro, responsável por
quase um terço de nosso comércio exterior (contra
15% do Mercosul e 20% dos EUA) e por estoque de investimentos
superiores a 75 bilhões de dólares (cerca de 50%
do total, contra 30% dos EUA).
Os capitais privados provenientes de países como Alemanha,
Itália, Reino Unido e França contribuíram
de modo decisivo para a industrialização brasileira
dos últimos 30 anos.
Na onda mais recente de investimentos europeus, destaca-se a
participação da Espanha e de Portugal nos setores
de telecomunicações, energético e financeiro.
Esse fluxo teve continuidade no ano passado, estimando-se em
mais de 60% a participação do capital europeu
nos investimentos estrangeiros diretos no Brasil no ano passado.
Voltando ao comércio, em 2001, o Brasil exportou para
o mercado europeu (de Lisboa a Vladivostok) pouco mais de 17
bilhões de dólares e importou aproximadamente
a mesma quantia, configurando um comércio em nível
de equilíbrio.
O relacionamento com a Europa, além do que representa
na esfera econômica e comercial, é também
essencial do ponto de vista político e estratégico.
Nada é mais importante para o Brasil no plano da macroestrutura
internacional do que buscar contribuir para o estabelecimento
de relações de equilíbrio.
Este tem sido um objetivo perseguido com pertinácia também
pela Europa desde os tempos do bipolarismo da Guerra Fria e,
com igual razão, neste contexto ainda por definir da
globalização.
Compartilhamos com a Europa a defesa de uma ordem internacional
estruturada em torno do fortalecimento do multilateralismo em
especial da ONU (no plano político) e da OMC (no plano
econômico-comercial)-, como forma de contra-arrestar
as tendências atuais à fragmentação
e ao unilateralismo.
Desejamos estimular uma presença cada vez mais ativa
da Europa na América do Sul, com vistas a assegurar o
equilíbrio e a simetria da ordem regional, sobretudo
em função das perspectivas de conformação
de uma área de livre comércio das Américas
a partir de 2005.
A estratégia desenvolvida pelo Itamaraty nesses oito
anos foi justamente a de buscar o estreitamento dos vínculos
que nos unem à Europa, visando a assegurar e, eventualmente,
ampliar o peso do continente em todas as vertentes de nossas
relações exteriores.
No corrente ano, foram particularmente expressivos os desenvolvimentos
obtidos em nossas relações com os países
da Europa Central e do Leste, e, de forma muito significativa,
com a Federação da Rússia.
Por suas dimensões territoriais, demográficas
e econômicas, Brasil e Rússia apresentam afinidades
e simetrias que os habilitam a construir de forma crescente
uma parceria densa, abrangente e inovadora.
Os dois países estendem-se por uma vasta superfície
com número significativo de recursos naturais ainda não-explorados.
Suas populações caracterizam-se pela diversidade
de etnias, que há muito convivem em plena harmonia e
tolerância.
Suas economias apresentam níveis de desenvolvimento compatíveis,
constituindo-se nos principais pólos econômicos
de seus respectivos contextos regionais.
Desde meados da década de 80, no quadro geral das transições
políticas e econômicas ocorridas no Brasil e na
Rússia tem crescido a aproximação entre
os dois países.
Brasil e Rússia, a despeito da distância geográfica,
sensivelmente minorada pelos avanços tecnológicos,
vêm buscando, do ponto de vista político e do intercâmbio
em diversos campos, elevar o relacionamento bilateral a patamar
mais compatível com o peso dos dois países no
cenário internacional.
Após os anos que se seguiram ao fim da antiga União
Soviética e a acefalia que marcou os últimos meses
do Governo Ieltsin, a Rússia vem alcançando, a
partir da posse do Presidente Vladimir Putin, crescente estabilidade
política e econômica.
Putin teve êxito no reestabelecimento do princípio
da autoridade, marcando sua presença na Chefia do Estado
por uma gestão fundada nos princípios do respeito
à Lei e à Ordem Pública.
O desmantelamento das estruturas de poder montadas pelos oligarcas
e o bem-sucedido combate às manifestações
do crime organizado fazem com que a Rússia, neste início
de 2002, apresente-se como um país com índices
crescentes de estabilidade e confiabilidade.
No ano de 2001, a economia russa manteve crescimento pelo terceiro
ano consecutivo. A expectativa para o corrente ano é
de um crescimento ao redor de 4%, ainda acima da média
internacional.
As contas do Governo em 2001 fecharam com um superávit
de aproximadamente 1,7% do PIB.
O Balanço das contas externas russas continuou em 2001
com números impressionantes. As exportações
de mercadorias chegaram a US$ 102,7 bilhões e as importações
situaram-se ao redor de US$ 53,1 bilhões, criando um
saldo comercial de US$ 49,6 bilhões.
As reservas internacionais no Banco Central russo e Ministério
das Finanças chegaram, no final de 2001, a US$ 36,6 bilhões.
A dívida externa russa continua a sua trajetória
descendente. Apesar de não ter contado com a reestruturação
da dívida junto ao Clube de Paris, o Governo russo conseguiu
servir a dívida que vencia e ainda antecipar alguns pagamentos.
Em dezembro de 2000, a dívida alcançava US$ 161,4
bilhões. No final do terceiro trimestre de 2001, o valor
total da dívida havia descido a US$ 156,5 bilhões.
A renda interna continua subindo. Segundo informações
do Ministério do Trabalho e do Desenvolvimento Social,
em 2001, o salário-mínimo aumentou cerca de 250%
em relação a janeiro de 2000.
Existe, em conseqüência, uma maior previsibilidade
na relação da Rússia com parceiros estrangeiros,
recuperando o país gradualmente sua capacidade de interagir
de modo construtivo e responsável com o setor privado
internacional.
A visita do Presidente da República à Federação
da Rússia em janeiro último significou a consolidação
do processo de aproximação entre os Governos brasileiro
e russo, iniciado em 1997 com a vinda do então Ministro
dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Ievgueni
Primakov.
O ano de 2001 foi particularmente intenso no cronograma das
iniciativas de aproximação bilateral.
Em setembro, em Moscou, teve lugar a realização
da segunda reunião da Comissão Intergovernamental
de Cooperação e em dezembro passado, em Brasília,
ocorreu a reunião da Comissão de Alto Nível
bilateral, no quadro da visita do Primeiro-Ministro Mikhail
Kassianov ao Brasil.
O intercâmbio de visitas de alto nível oferece
a possibilidade de uma efetiva troca de percepções
não apenas sobre a conjuntura política e econômica
brasileira e russa, como também sobre temas relevantes
da política internacional.
Nesse sentido, após a visita que o Presidente da República
realizou a Moscou, o Brasil deseja receber o Presidente Vladimir
Putin no Brasil ainda no ano de 2002, no que constituiria a
primeira visita de um Chefe de Estado russo a nosso País
e à América Latina.
No plano comercial, o Brasil destaca-se como o mais importante
parceiro da Rússia na América Latina, havendo
o intercâmbio bilateral superado a cifra de 1,5 bilhão
de dólares em 2001. Exportamos naquele ano mais de 1
bilhão de dólares, um crescimento de nada menos
que 160% em relação ao ano anterior.
As exportações brasileiras de carnes suínas
não-processadas autorizadas pela parte russa em
fins de 2000 e de aves em muito contribuíram para
o expressivo resultado comercial. Somadas, corresponderam a
mais de 15% da pauta brasileira de produtos vendidos para o
mercado russo no período.
As perspectivas de incremento nas exportações
de carnes para a Rússia são muito promissoras,
uma vez que sua produção doméstica supre
apenas cerca de um terço da demanda interna pela mercadoria.
Em 2002, portanto, caberá envidar novos esforços
sobretudo para incentivar a diversificação da
pauta exportadora brasileira. Apesar da inegável persistência
de algumas dificuldades, as relações comerciais
entre Brasil e Rússia têm expressivo potencial
de ampliação, pelo caráter complementar
das respectivas economias.
No âmbito da cooperação científica
e tecnológica, foi acordado e assinado Programa de Cooperação
para o biênio 2001-2003, em bases mais concretas que o
Programa anterior, tendo sido igualmente estabelecido mecanismo
para o acompanhamento da implementação dos projetos
incluídos no Programa adotado.
Foram contemplados projetos conjuntos entre instituições
dos dois países nas áreas de Oceanologia, Biotecnologia,
Saúde, Transportes, Astronomia e Informação
Científica e Tecnológica.
No plano da cooperação nuclear, há interesse
comum em desenvolver tecnologias inovadoras, inclusive no âmbito
da AIEA, tendo presente os princípios do respeito ao
meio ambiente, da não-proliferação e da
segurança.
Temos interesse em projetos específicos entre instituições
dos dois países nas áreas de combustível
para reatores e de gestão da vida útil de componentes
e equipamentos de centrais nucleares.
No plano da cooperação espacial, missões
técnicas brasileiras irão à Rússia
neste ano para detalhamento de projetos de interesse comum.
A adoção de Acordo de Salvaguardas Tecnológicas
com vistas à utilização comercial da Base
de Alcântara por empresas russa constitui outro ponto
de interesse.
Na cooperação técnico-militar, foi negociado
Memorando de Entendimento na área de Defesa, a ser assinado
durante a visita do Ministro da Defesa da Rússia em abril
próximo.
No campo da cooperação energética, são
amplas as oportunidades de negócios nos setores de transmissão
de alta tensão e de sistemas e equipamentos correlatos,
áreas onde a indústria russa apresenta reconhecida
qualidade.
Vê-se, portanto, que Brasil e Rússia desenvolvem
uma relação densa, inovadora e produtiva.
É nesse espírito que convido todos os que aqui
estão a trabalhar pelo fortalecimento dessa relação,
elevando-o ao nível de urna parceria estratégica
de longo prazo e à altura do potencial dos dois países.

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